sábado, junho 19, 2010

Recorta e cola III

Seu Mário

6h55 Carteira do plano de saúde, identidade, guia do exame. Checado. 421, 433, 447, cheguei. Cheguei depois e Seu Mário já estava lá, esperando pacientemente a sua vez. Ele provavelmente checou mais de três vezes plano de saúde, identidade e guia do exame, mas chegou antes. Minutos depois eu estava na sala do médico, melecada de gel, veia cava isso, veia femoral aquilo e pronto, chega de desfilar de avental com bumbum de fora por aí. Quando saí, Seu Mário ainda estava lá. Mui belo e comportado, Seu Mário trajava uma calça social preta, sapatos bicudos, meia combinadinha e uma blusa amarela que chamava atenção de senhoras e mocinhas na faixa dos vinte, como eu. Óculos retrô, hastes grosssas e pretas, última moda.

O atendente chama: “Seu Mário.” Subentende-se comparecer na mesa para reaver os documentos, mas aquela delícia da terceira idade não está nem aí para a pressa. O atendente chama: “Seu Mário!” cinco vezes mais alto do que a primeira. O rapaz ao lado de Seu Mário num sobressalto treme a Caras com alguém glamoroso na capa sendo pego no flagra entrando num banheiro de um shopping qualquer. Dessa vez Seu Mário sabe que é com ele. Senta pacientemente na cadeira e exige mais de três vezes que o atendente diga a data na qual o exame ficará pronto. Tendo feito isto, mesmo com tantos bolsos, Seu Mário enfia o papel com a data de entrega do exame por dentro da camisa.

Eu já estou esperando o elevador, observo distante. Ele vem em minha direção, pára, sorriso de quem espera, apenas. O elevador abre, Seu Mário ameaça entrar. A moça que está dentro do elevador diz: “Está subindo.” Mas Seu Mário não está nem aí se sobe ou desce e ela grita: “Tá subindo!” Seu Mário sorri para mim novamente. Desta vez não é sorriso de espera e não ousem pensar que ele ri de si mesmo. A sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve para o homem a noção de presente, passado e futuro está presa em seus lábios moles e desembaraçados.

Retirado de: http://des-atino.blogspot.com/

O Processo.

A um tempo atrás decidi que minha vida seria verdadeira. Que meu compromisso real era com uma sinceridade profunda comigo mesmo, mesmo que isso signifique lidar sem filtros com questões dolorosas. Adotei um posicionamento racional e um ceticismo científico como formas de entender o mundo. Pouco a pouco mutilei toda a frivolidade e gordura supersticiosa que pude encontrar na minha mente. Dissequei conceitos falidos e desconstruí estruturas impostas com muita força no meu interior. Me foquei como atleta numa maratona excêntrica de exercícios mentais diários. Aumentei minha coragem e encontrei segurança com o conhecimento. Com o tempo me tornei uma pessoa assertiva e crítica disposto a arriscar tudo com a certeza da coerência.

Com o tempo vi que pra adotar uma postura sincera comigo exigia mudar o "treinamento militar" da minha mente porque ele não era suficiente. Não por ter mudado meus valores, mas porque entendi que ser verdadeiro e sincero exige ainda mais. Exige reconhecer e lidar com sentimentos do ego em conflito. E as coisas ficaram mais complexas que na primeira parte, não porque as ideias trabalhadas anteriormente sejam simples, eu as compreendo com facilidade, mas porque esse é um campo novo e muito pouco explorado. Ampliei meu entendimento sobre mim ao me aceitar e observar em minha introspecção. É mais que listar e comparar características, é buscar métodos de comprovação de personalidade me expondo a situações limite.

Pegando os resultados parciais, eu construo um "eu" superior.

São muitos anos de disciplina, meditação e confronto.

Todo esse processo não me torna uma pessoa mais feliz. Não me torna uma pessoa mais completa. Me faz uma pessoa profundamente verdadeira e extremamente orgulhosa e satisfeita consigo mesma. Me faz uma pessoa melhor.

sexta-feira, junho 11, 2010

Sonhando acordado

O telefone tocou e a voz alterada pela telefonia não impediu que fosse reconhecida. Parabenizações sem motivo ou mérito. A resposta foi educada e vazia. Não havia qualquer sentimento ou alegria referentes ao pagamento pelo trabalho bem executado. Qualquer ponta de alegria parecia inapropriada. A nova condição foi adquirida sem esforço ou luta e ele foi ensinado que a felicidade só poderia existir depois da dor.

Frases mecânicas, piadas forçadas e dois desligaram o telefone.

Ele sentiu alívio porque tudo tinha acabado.

"O inferno são os outros." - ele pensou... Mas no fundo ele não sabia qual era o motivo de sua insatizfação.

sexta-feira, junho 04, 2010

O agora.

Tempo é interpretação. Vai além de linhas imaginárias didáticas. Existência é produto de idéias e memórias. Nada foi realmente, só o é faz sentido. É a memória com status de presença.

Tempo é movimento constante. Sou, não fui, projetando o sendo.